Espanto é conseguirmos entrar em casa com a porta murada.
Espanto é provavelmente o único sentimento para o qual desconheço palavra descritiva.
Percebem o que quero dizer?
Não?
Então imaginem que são funcionários do Estado. Que são vereadores. Prometem servir o povo e são pagos para isso com o dinheiro do povo. E imaginem que um dia chega à vossa beira um senhor, que não é Jesus Cristo, note-se bem, e que vos diz em surdina "Quero que seja feita a minha vontade... mas não me deixam. Toma lá estes 200 mil euros e dá um jeitinho para que assim seja como no Céu".
O vereador, espante-se, contra a tradição sagrada e popular, e para espanto geral da Nação, resolve denunciar esse senhor pouco católico que, por acaso, até é um empresário. Evidentemente, começa logo o tal povo, o que paga com vida de escravo a vida do Céu, a duvidar da sua, dele, sanidade mental.
Entretanto o empresário em questão é apanhado em flagrante delito, como se costuma dizer. É aberto um processo que durante 4 anos se arrastará nos tribunais. Quatro anos para provar o que foi provado pelo flagrante... Quatro anos de salários, de advogados, de custas, de selos, de papeis, de transportes, de juizes, de reuniões, de inquéritos...
E quando parecíamos ter esquecido que há gente desonesta à nossa volta, a Suprema Justiça na Terra, na pessoa do presidente do Tribunal da Relação vem dizer, e passo a citar, que neste caso "não se preenche a factualidade típica do crime de corrupção activa de titular de cargo político".
Segundo os juízes da Relação, "os actos que o arguido (leia-se: o honrado senhor empresário) queria que o assistente (leia-se: o veriadorzeco) praticasse, oferecendo 200 mil euros, não integravam a esfera de competências legais nem poderes de facto do cargo do assistente".
Ou seja, e passo a explicar, para o espanto de quem possa não ter entendido: A culpa da corrupção falhada é do vereador que, para infortúnio da riqueza do empresário, não tinha poderes para executar o "favor" que lhe estava a ser comprado com os 200 mil euros em questão. Por outras palavras, o empresário é inocente não porque não tenha tentado corromper o vereador (ficou provado que tentou!!), mas porque a tentativa foi mal dirigida, pois o vereador nada poderia realmente ter feito sendo, neste caso, o suborno inofensivo.
Permitam-me aqui um pequeno aparte para chamar os juizes que chegaram a esta brilhante conclusão de filhos mal paridos de grandessíssima mula!!
Mas, então. não terão eles na sua mentecapta inteligencia coagitado, por puro exercício mental, a remota possibilidade de o vereador, que não tinha poderes, chegar à beira de quem de facto teria e dizer "Houve lá, amigo... tenho aqui 200 mil, dividimos a meias e tu fazes a vontade dele... e depois vamos beber umas bejecas à conta"?
Não... Estes juízes, que têm gosma de lombriga no lugar de massa cinzenta, acreditam que as renas do Pai Natal voam e que corrupção é como eles: que não sai do cagalhão onde se aloja!
Não, srs. drs. juízes, a corrupção é como o vento: se não for desligada a ventoinha, não pára de soprar e de despentear-nos as ideias com benefícios facilmente muito caros.
E os senhores não pensem em condenar-me por difamação porque, não sendo V. Exas. filhos de uma grandessíssima mula (ou puta, ou vaca, tanto faz!), que deveria tê-los abortado com uma agulha de tricô enferrujada aos oito meses de gestação, não terá o meu insulto competência legal nem poderes de facto para os insultar com o que quer que seja!
Não é?
É a vossa competência de ofendidos que os senhores deverão julgar durante alguns anos e não a minha tentativa de ofensa profundamente sincera! A culpa de não serem filhos mal paridos de uma mula é vossa e da vossa mãe! Não minha! Afinal, não é a intenção que conta, nem de boas está o inferno cheio, ao contrário do que pensa o povo, que é gentinha distraída e de justiça não entende nada.
Certa vez, à mesa de um café, que é sempre à mesa de um café que as coisas importantes acontecem neste país, uma pessoa, completamente descrente da nossa Justiça e perante quem eu tentava defender o estado de Direito e as insituições que, teoricamente, têm como função afastar de nós o instinto animalesco da lei pelas próprias mãos, disse-me, em resposta ao meu pedido de tratamento igualitário para com o mais rele dos criminosos: "Eu estou-me a cagar para o direito dos violadores de crianças!"
E agora prendam-me se quiserem...
Isto é espanto!
Perceberam?