quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Pequenos Prazeres

Só somos felizes com os pequenos prazeres. Os grandes não são, por definição, prazeres. São luxos.

Nada contra o luxo, mas é de prazer que falo.

E por falar em “falo”, já repararam que o único órgão humano "exclusivamente de prazer" é o clítoris, apanágio do sexo feminino?

Não consegue a pobre Ciência encontrar-lhe outra função que não seja a de dar prazer à sua “dona”. É por isso que algumas culturas cortam o prazer pela raiz, que é o mesmo que dizer que o cortam literalmente do corpo da mulher (a malfadada excisão feminina).

O verdadeiro poder está em quem o goza. Qualquer um sabe isso!
Assim sendo, como pode Deus dar o gozo às mulheres e prometido o poder aos homens? Ter-se-á enganado? Impossível!! Deus não se engana! Quem se enganou foram as mulheres que resolveram nascer com clítoris!
Há então que pôr as coisas no seu lugar: O prazer fora do corpo feminino e a César o que é de César!

Mas por onde entrei eu? Não tinha em mente nenhuma apologia feminista quando comecei a escrever este post. Dedos traidores, estes meus! São como o clítoris: vão ao sabor dos movimentos ;)

Falava então eu de pequenos prazeres... Dos meus pequenos prazeres.

Pois bem, um deles é tomar o pequeno-almoço no café.

Não é o pequeno-almoço em si... (para falar a verdade, em casa preparo-o melhor) É, sim, o jornal que leio, as opiniões que ouço e das quais, muitas vezes, discordo, as notícias do bairro, as pessoas que vejo e que muitas vezes nem conheço (aquele senhor que está lá todos os dias, na mesma mesa, a fazer as palavras cruzadas, as amigas que se encontram antes de ir cada uma à sua vida, os velhotes que discutem os golos que ontem não foram marcados, a senhora que entra cansada e pede um galãozinho e um pastel de nata “apesar de o médico ter proibido definitivamente os bolos... mas pastel de nata não é bolo, é prazer”).

Ir ao café é dos rituais portugueses que eu mais gosto e que mais prazer me dá. O café é o sítio onde nos sentimos verdadeiramente iguais e portugueses. Qualquer estrangeiro que se queira integrar tem que começar a fazê-lo pelo café e não pelo SEF. O SEF dá os documentos; o café, a identidade! Ali o conhecerão, o avaliarão, lhe indicarão casa para alugar naquela rua, lhe darão trabalho, lhe apresentarão o país. Ali fará amigos. Ali torna-lo-ão português.

O café é o sítio onde realmente nos conhecem e o demonstram. É o sítio onde o empregado não é empregado: é um psicólogo com memória de elefante que sabe quem bebe a bica pigada e em chávena escaldada, quem a toma curta, quem prefere o carioca e quem gosta dela cheia; é aquele que sabe que o meu galão “é morno, normal, com café de máquina” e a minha sandes é "de queijo, em pão mal cozido e obrigatoriamente com manteiga".

O café é onde sabemos de tudo e tudo sabe de nós. É onde nos sabemos verdadeiramente parte de uma sociedade.
O café é onde está a verdadeira democracia: pela mesma chávena bebe o operário e o patrão, à mesma mesa se senta a estudante e o pedreiro, do mesmo jornal lê o semi-analfabeto e o doutor.

Ir ao café pela manhã e ficar lá perdida, sem pressa, a observar as pessoas desta minha cidade, a estudar-lhes a fisionomia, a ler o jornal (até as gordas do horrível Correio da Manhã soam menos trágicas) é, sem dúvida, a melhor maneira de eu começar o dia.

Luxo algum me poderia dar mais prazer...

Obrigada Mãe Natureza, que me deste o clítoris e os cafés portugueses!

domingo, 25 de novembro de 2007

Bendita EDP

Ontem à noite, de repente, assim, sem mais nem menos, faltou a luz!

Fiquei danada!!

Então, como vão deixar que uma coisa destas aconteça numa fria noite de Inverno? “ — Anda uma pessoa a pagar a estes chulos e o serviço é o que se vê!....” Enfim... aqueles mimos que nós, portugueses, tanto gostamos de brindar o que nos é devido por direito e não por ofensa.

Pela escuridão de todo o quarteirão, visível da janela da cozinha e da área que adaptei para refeições, entendo que não sou a única a, naquele momento, ofender a mãe dos senhores da EDP.
Como seria natural, não corro a buscar a vela. Deixo-me ficar ali, à janela, e depressa me esqueço dos 25 euros mensais que pago por conta fixa de luz. Observo como, aos poucos e poucos, tal presépio gigante vivo, se vão timidamente enchendo de uma trémula claridade alaranjada as janelas do meu quarteirão-fantasma.

Consola-me aquela visão: imaginar as pessoas a pegar em velas e, tal como os nossos antepassados, não terem outra coisa que fazer senão olharem-se uns aos outros. Imaginei a discussão entre um casal que, interrompida de repente, dá lugar a um embaraçoso silêncio (quem vai discutir à luz da vela?), imaginei a mãe descobrir que, afinal, o filho não estava na night, mas sim em casa, fechado no quarto, a jogar computador (com o corte de luz ele veio à sala ver o que se passava), imaginei os amantes que, do frio, se aninham nos braços um do outro, imaginei o marido, que por falta de opção observa a esposa à luz da vela e recorda-se porque é que se casou com ela... e sorri.

Imagino tudo isso e deixo-me ficar ali... a olhar.

Faço um chá (felizmente o gás não é da EDP) e de caneca na mão volto a encostar-me ao parapeito. Torno a olhar para o presépio de prédios com janelas aconchegantes... como que se a paz tivesse coroado a noite só neste quarteirão (ao longe podia vislumbrar as luzes eléctricas do resto da cidade em guerra).

Estou nestas divagações espirituais quando os meus olhos são atraídos pela luz fria, contrastante com a das janelinha, prateada e forte, a inundar a parede da esquina do meu prédio com o do vizinho. Só então me apercebo conscientemente que a noite estava clara, que a lua cheia, embora daquele lado da casa não fosse visível, derramava sobre o quarteirão pacífico uma terna, e ao mesmo tempo contrastada, luz intensa e indefenida.

Afastei-me da janela e tentei perceber qual a cor daquela luz que, mantendo-me mergulhada a sala no preto da noite, permitia-me ver tudo, como se de dia tratasse.

Como recriá-la tão magnífica? De onde é que ela vem? Para onde vai? Em que direcção apontam as sombras? E qual a cor, meu Deus, qual a cor dessa luz??

Frustrada e maravilhada tenho curiosidade de ver o meu quarto, esconço, com a janela por cima, aberta ao céu.

Entro no quarto e fico sem palavras, se palavras tivesse tido até então.

Lindo!

Não sei que mais dizer, senão "Lindo!"...

De novo aquela luz escura, que aqui entrava directa e direccionada, derramando em parte da deslavada colcha Ikea o rectângulo da janela e do céu por cima dela. E, no alto, lá estava a Lua, czarina da noite, desafiando os meus anos de aulas russas, de cursos e práticas, rindo condescentemente do meu título de directora, das dezenas (centenas?) de livros sobre iluminação que já li e palestras que já ouvi.

Sentei-me no chão, encostada às almofadas e aconchegada pelo robe e o cobertor que fui buscar – não quis desfazer a cama; tive medo de com ela desfazer a Luz! Fiquei ali, semi-deitada, a olhar, a ver, a sondar, a perscrutar, a tentar perceber como fazê-la... E se perceber não podia, que o sono chegava e a Lua estava alta, tentei sentir... Pus primeiro a mão, depois a cara debaixo dela, directamente sob a janela... Talvez a pele me diga o que os olhos não conseguem. E assim adormeci...

Quando acordei já a guerra tinha voltado ao quarteirão, a luz da sala estava ligada e o filho da outra senhora voltado a fechar-se no quarto.

Mas na pele eu tinha ainda a sensação do incolor do luar que os filmes teimam em azular. E eu também, enquanto não lhe desvendar o mistério do frio e da cor...

Que os senhores da EDP tenham um santo Natal e benditas as mães deles entre as mulheres!



LUAR

Breu que desoculta
O lado escuro da Terra
Enche-me de Lua Cheia
O quarto
Minguante da carícia
Na colcha lavada
De branco sujo.

Alua-me a Lua os olhos
Habituados à incandescência
Da vida eléctrica que tenho
No quarto
Cresente das coisas
Que vou descobrindo nas sombras.

Ali está a cama
E a pilha que eu sei serem livros no chão.
Nada mais no meu quarto,
A não ser as trevas do céu
Do outro lado da janela
Virada para cima

E a Lua
- grávida de luz -
Teima em descer,
Parindo-me no quarto
A mais bela escuridão
Que olhos humanos
São dignos de ver.

25 de Novembro de 2007
(escrito hoje de madrugada, ainda sob o reinado da Lua, antes de o Sol a ofuscar)

quarta-feira, 14 de novembro de 2007



Porque me temes, homem
Se me encolho quando me bates?
Se choro de luto a tua morte prematura?

É que, já vês, tu morrerás sempre antes de mim,
Na soberba ilusão que enganas a morte!

Não tenhas ilusões, homem.
Eu sou mais forte!

terça-feira, 13 de novembro de 2007

A Felicidade

Eu vi a Felicidade!

Não... acho que não entenderam!

Eu vi mesmo a Felicidade! Em carne e osso!

Pela segunda vez na vida tive a honra de a ter à minha frente. Qual estrelas de Holywood, qual carapuça!!

A primeira vez que me dei conta da Sua presença foi no aeroporto de Lisboa, nos olhos do Valeriy. Nunca na vida havia visto eu olhos tão límpidos, puros e transparentes, tão transbordantes de algo que, pela raridade, compreendi ser a Felicidade no seu estado primário. E estava ali, a menos de um metro de mim!

Esperavamos a Kátia, a filha que o Valeriy não teve, mas que criou como sua. Ia para 5 anos a distância entre os dois, até que finalmente o tão chorado visto, que permite aos homens cumprir a lei que a Natureza lhes impede quebrar, saiu. Depois de muitas lágrimas e documentos, Kátia estava por fim na posse do visto que lhe permitia juntar-se à Marita, a mãe dela e esposa do Valeriy.

Na espera do hall do aeroporto a Marita estava nervosa, tremia, chorava, queixava-se da demora, da polícia, da burocracia. Afinal o avião havia aterrado havia mais de uma hora e nada da Kátya. A Marita tinha medo: “E se de repente não a deixam entrar em Portugal? E se há algum problema com o visto dela?”. Tive que a acalmar e telefonar para o SEF para lhe provar que ninguém havia sido detido. Quase me chateava com ela por causa daquele pessimismo nato que a Marita consegue ter nas horas mais inusitadas. Mas aquele, admitamos, não era momento para chatices!

Ela havia deixado a filha com 12 anos e agora vinha naquele avião uma moça com quase 17 a quem a avó materna tinha feito crescer esses 5 anos.

Mas eis que finalmente começam a sair as crianças. Primeiro uma menina. Ouve-se um grito “Доченька моя!” e do meio da multidão salta uma mulher qual empilhadora por entre os escombros, levando à frente tudo e todos, até conseguir alcançar a menina e quase sufocá-la de tantos beijos e afogá-la de tantas lágrimas. [aos incultos que não sabem russo: “Доченка моя” (lê-se ‘Dotchenka maya’) significa “filhinha minha” (algo que em português soa como “filha do meu coração” ou “minha filhinha” para os mais puristas que preferem as traduções “à letra” e não “ao sentido”].

Pressentimos então que a Kátya seria a próxima a aparecer por detrás daquela porta de vidro. Esperavamos impacientes. E é então que me viro para o Valeriy para lhe dizer algo e A vejo no rosto dele: a Sra. Felicidade.

O Valeriy não falava, não chorava, não gritava, nem mesmo parecia estar nervoso. Nos seus olhos claros consegui vislumbrasr de repente a promessa de um mundo melhor. Acreditem que petrifiquei. Eu, que trabalho com luz, que ansei poder vir um dia a tratá-la por “tu”, nunca havia visto um rosto assim iluminado... de dentro.

Palavras não existem para descrever aquela expressão. Não conseguia desviar o olhar do rosto do Valeriy, da pureza dos seus olhos cristalinos, brilhantes da turbulência de emoções que lhe ia na alma e que estava preste a chover-lhe pelos olhos. Percebi que estava na presença de uma entidade superior personificada naquele rosto, naqueles olhos, naquele sorriso inigmático que tornava cinzenta qualquer Mona Lisa. Eu tinha à minha frente a Sra. Felicidade. Em pessoa!

E, enfeitiçada como estava a olhar para o Valeriy, perdi a entrada da Kátya e a reacção da Marita. E só despertei desta hipnose quando a Felicidade do Valeriy foi substituída pela euforia do reencontro e este salta subitamente de ao pé de mim e vai a correr ter com a Kátya. Abraça-a, beija-a, diz-lhe coisas carinhosas. E eu observo-o, fito-lhe o rosto e já não A vejo. Vejo uma alegria imensa que transborda para lá do perímetro do aeroporto, vejo o êxtase do encontro da pessoa amada, vejo o riso verdadeiro, sem convenções nem regras, vejo o fervilhar do amor a recuperar os dias perdidos. Mas aquela Luz havia entretanto desaparecido...

Tomei então cosnciência que tinha estado perante uma entidade superior. E que tinha tido a sorte de ter dado conta disso.

A segunda vez que me dei conta disso foi este fim de semana passado.

Encontrava-me na Figueira da Foz, aonde tinha ido fazer a iluminação para o 7º Eurofestival da Canção do Deficiente Mental. Quando foi anunciado o nome do vencedor, revejo nele aquela mesma Luz mágica interior com que jamais pensei vir a cruzar-me naquele lugar.

Tínhamos as câmaras apontadas para os participantes e na hora de dizerem o nome do vencedor eu foquei a minha atenção no Danny, o concorrente da Holanda, para fazer o respectivo efeito de luz, pois já tinha sido informada uns instantes antes que era ele o vencedor. Tenho que admitir que não olhei para mais nenhum participante e que se me perguntarem não sei dizer qual foi a reacção dos outros, pois fiquei de novo hipnotizada pelo cristalino do seu olhar. De novo aquela luz interior, enigmática, transversal a todas as pequenas e grandes alegrias.

Reconheci-A imediatamente! Fiquei contente de a rever, desta vez nos olhos chorosos do Danny, no tremor que tomou conta das suas mãos, na busca insessante que os seus olhos faziam ao longo da sala (Quem – ou o que – procuraria ele?).

Nele a felicidade reteve-se mais tempo que no Valeriy. Alguns minutos... uma eternidade para mim, que desisti de tentar reter as lágrimas. Não sei como fiz os efeitos de luz. Levei as mãos à mesa e carreguei em tudo o que era botão, mas desviar os meus olhos do Danny, eu não desviei. Não queria perder nada da presença d’Ela ali.

A claque dele delirava, rodearam-no, gritavam, choravam e riam ao mesmo tempo. Tudo em holandês... e sabem de uma coisa?... Descobri nesse instante que o holandês é extremamente parecido com o português! Senão como explicar que eu entendia tudo? A Felicidade derramou-se do Danny e por uns breves instantes tornou-se coletiva. Ali estava ela, em grande escala, de novo personificada nos olhos translúcidos dos amigos e apoiantes do Danny.

E rapidamente voltou ao Danny. Rapidamente o holandês se tornou chinês e eu deixei de entender as palavras [pessoa culta tem que saber russo, mas não é obrigada a saber chinês!]. Só o Danny é que continuava a brilhar, é que continuava a prometer um mundo melhor com os olhos que nessa altura haviam perdido o olhar esgaziado de louco que até então lhe era característico. Todos os outros comemoravam a vitória!

Será que tem que se ser louco para se ser realmente feliz? Se assim for, como explicar o caso do Valeriy? Ter-se-á a Felicidade enganado? É que de louco o Valeriy não tem nada! Eu diria até que tem um irritante racionalismo ilógico (esta do “racionalismo ilógico” fica para explicar uma outra vez) que o torna tão “normal” e encantador socialmente.

Qual a premissa necessária para que a Felicidade encarne em nós?

Não é o raciocínio, não é a destreza mental, não é a calma nem o nervosismo, não é a idade nem a nacionalidade, não é a compra de um carro topo de gama, nem, com certeza, o último modelo de telemóvel da Nokia... O que será? Que condições internas exigirá a Felicidade para descer à Terra e nos bafejar internamente com a sua presença?

E enquanto vos desabafo estes desvairos de observadora curiosa, confesso-vos que estive ainda mais uma vez na presença d’Ela, uma terceira vez que aqui não mencionei porque foi um caso diferente.

Foi uma vez que a Felicidade, a tal suprema Luz que jamais conseguirei fazer, me visitou pessoalmente. Mas isto, meus amigos, é estória para outra história, que esta já peca pelo tamanho!

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Да Здравствует Революция!





Que viva a Revolução!


Porque houve quem acreditasse!
Porque a memória é curta e a ganância longa!
Porque os cegos também têm fome e as perguntas são muitas!
Porque a utopia fez-se gente, sem nunca se ter feito sonho!
Porque há ainda quem nos olhe nos olhos e não nos deixe esquecer!

Aos 90 anos da Revolução de Outubro!





segunda-feira, 5 de novembro de 2007



Há uma luz ao fundo do túnel!
- Diz o optimista.
Há pessoas sem luz no túnel!
- Diz o pessimista.
E eu, que fotografei o túnel,
Só vejo a beleza das silhuetas
No recorte da mão que pede esmola.

Que serei?