quinta-feira, 12 de março de 2009

LUZIA

Há menos de uma hora atrás estava eu na paragem do autocarro quando se aproxima-se num andar inseguro uma jovem mulher... bonita, de óculos escuros, de bengala na mão. Cega. Oriento-a para a paragem. Pergunta-me quando vem o próximo autocarro para a Praça do Chile. Seis minutos - respondo. Estranho, é brasileira. Não que eu não saiba existirem brasileiras cegas, mas porque é difícil encontrar uma invisual brasileira caminhando pelas ruas de Lisboa.

Metemos conversa uma com a outra. Passa o meu autocarro. Deixo-o ir. Fico com a conversar. Ela tem uma voz invulgarmente suave, parece a personificação verbal da bondade, a voz do nosso anjo bom... e ainda por cima com sotaque brasileiro.

Rapidamente surge o autocarro dela, que também serve para mim. Entramos as duas. Falamos mais. Conta-me nos dois minutos do percurso que perdeu a visão há coisa de um ano. Trabalhava para uma senhora e quando começou a cegar foi posta na rua!

A pena, raiva e impotência tomou conta de mim! Quero reinventar o mundo!

Quando queremos viagens longas, elas são curtas. Fiquei embalada na sua voz suave. Ao sair deu-me o número de telefone que apontei toscamente na mão e já na porta do autocarro respondeu-me "Luzia" quando lhe perguntei o nome.

Luzia... ficou este nome alguns minutos a vaguear-me estranha e suavemente pelo imaginário sonoro.

E esqueci completamente o desespero que minutos antes sentia, parada na paragem do autocarro, a pensar onde ir arranjar dinheiro para pagar as contas deste mês.

Afinal, eu vejo as contas para pagar...

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