segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Amigos, Amores e Banha à mistura

Fim de ano é época de balanço.

E que balanço anual poderei eu fazer se os pratos são só dois e o peso um?

Como encaixar todas as facetas de todos os dias de todo o ano num prato de balança? O Sr. Agostinho, o merceeiro da minha infância, que ainda vendia feijão ao litro e mexia nos tostões, saberia como fazê-lo. Eu, não.

Encaixar a vida num prato é uma arte. Que o digam os famintos espalhados pelo mundo dos excessos, (sub)viventes que são no planeta da abundância dos pesos e medidas.

Hoje a minha alma, como diriam os russos, chora. Os portugueses, pouco dados a divagações lacónicas, preferem a expressão “Tou c’uma neura que não me digam nada e se alguém me chatear parto esta merda toda!”.

Termina triste este ano que triste começou... perdi hoje um amigo e, já o Sérgio Godinho diz, coisa mais preciosa no mundo não há.

Regressemos ao início, não ao Verbo, mas à balança: tenho que resumir o meu ano a um prato e pôr o peso no outro. Tenho que escolher algo, uma única faceta, que encerre todas as outras. Lugar para mais, no prato do balança, não há.

Assim sendo, que venha a saúde!

Tudo o resto, de repente, torna-se pequeno demais para ser pesado pelo quilo do ano. Senão, vejamos:

- Que estou desempregada e só tenho dinheiro para viver mais um mês?... Ora... trabalho não falta, ele só ainda não sabe é que eu também não falto, e quanto ao dinheiro para um mês, bem... não dizem que o tempo é psicológico?... Pode ser que o dinheiro também o seja!

- No que respeita à minha vida social, este ano ela pura e simplesmente não existiu. Aliás, reformulo a frase: o ano da minha vida social não existiu! Eu andei chateada de mais para o deixar sequer nascer. Assim sendo, como posso chatear-me com algo não existente? (Problema resolvido!)

- Os amigos... bem.... esses, dói perdê-los, mas vendo bem as coisas, os amigos não se perdem: ou nos perdemos nós, ou nunca os tivémos como amigos. Amigo, por definição, é achado!! Ponto!

- Quanto ao amor... ah... o Amor... Sabem, quem, como eu, teve a sorte de ter tido o grande desgosto de amor – aquele que nos mata depois de mortos ao acordar e faz a saudade doer fisicamente na pele – logo no primeiro namoro, enfrenta todos os outros desgostos como menores, por grandes, dolorosos e longos que sejam. Depois da “grande dor”, qualquer dor será como um quilo de banha acrescentada a um obeso norte americano: piora-lhe a saúde e estica-lhe mais a pele mas, tirando isso, ninguém dá por ela, nem o próprio.

Falando em pele, sabem que ela é o único orgão que não mente? Talvez por isso tenha recebido o direito de ser o maior em nós. E a ingenuidade da pele é a única coisa realmente irreversível. Até da morte há quem volte.... mas a ingenuidade, uma vez perdida, não regressa. Jamais! Se voltar nunca foi ingenuidade (o que não impeça que não seja amor, note-se!).

A ingenuidade, a minha pele perdeu há muito. Ainda lhe dói... e todas as outras dores se vão sobrepondo, como um quilo de Banha a mais...

E assim temos que de amor estou bem, obrigada. O único “mas” é a dor da pele que já conhece o desencanto do amor que (mais uma vez) não conheci este ano.

E assim sendo pego na balança, ponho a saúde num prato e o ano-quilo no outro. Pende o ponteiro para a saúde! E pende muito!

E eis que sorrio! Sou uma mulher feliz! Que mais posso desejar de um ano que termina com todos os desejos do mundo turbilhando em mim, na possibilidade de serem concretizados?

Obrigada 2007. Bebo agora ao novo ano! Que venha 2008 que, se a saúde me permitir, trabalharei, ganharei dinheiro, quererei, serei querida, farei novos amigos, manterei os velhos e reconquistarei os perdidos que simplesmente se estraviaram. Quanto aos outros, aos perdidos, aos que nunca foram amigos, nem amores, que façam boa viagem!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Kyrie

Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta,
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio,
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!

José Carlos Ary dos Santos

Paz na Terra aos Homens de boa vontade,
que da guerra se ocuparão os de má vontade!

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Pequenos Prazeres

Só somos felizes com os pequenos prazeres. Os grandes não são, por definição, prazeres. São luxos.

Nada contra o luxo, mas é de prazer que falo.

E por falar em “falo”, já repararam que o único órgão humano "exclusivamente de prazer" é o clítoris, apanágio do sexo feminino?

Não consegue a pobre Ciência encontrar-lhe outra função que não seja a de dar prazer à sua “dona”. É por isso que algumas culturas cortam o prazer pela raiz, que é o mesmo que dizer que o cortam literalmente do corpo da mulher (a malfadada excisão feminina).

O verdadeiro poder está em quem o goza. Qualquer um sabe isso!
Assim sendo, como pode Deus dar o gozo às mulheres e prometido o poder aos homens? Ter-se-á enganado? Impossível!! Deus não se engana! Quem se enganou foram as mulheres que resolveram nascer com clítoris!
Há então que pôr as coisas no seu lugar: O prazer fora do corpo feminino e a César o que é de César!

Mas por onde entrei eu? Não tinha em mente nenhuma apologia feminista quando comecei a escrever este post. Dedos traidores, estes meus! São como o clítoris: vão ao sabor dos movimentos ;)

Falava então eu de pequenos prazeres... Dos meus pequenos prazeres.

Pois bem, um deles é tomar o pequeno-almoço no café.

Não é o pequeno-almoço em si... (para falar a verdade, em casa preparo-o melhor) É, sim, o jornal que leio, as opiniões que ouço e das quais, muitas vezes, discordo, as notícias do bairro, as pessoas que vejo e que muitas vezes nem conheço (aquele senhor que está lá todos os dias, na mesma mesa, a fazer as palavras cruzadas, as amigas que se encontram antes de ir cada uma à sua vida, os velhotes que discutem os golos que ontem não foram marcados, a senhora que entra cansada e pede um galãozinho e um pastel de nata “apesar de o médico ter proibido definitivamente os bolos... mas pastel de nata não é bolo, é prazer”).

Ir ao café é dos rituais portugueses que eu mais gosto e que mais prazer me dá. O café é o sítio onde nos sentimos verdadeiramente iguais e portugueses. Qualquer estrangeiro que se queira integrar tem que começar a fazê-lo pelo café e não pelo SEF. O SEF dá os documentos; o café, a identidade! Ali o conhecerão, o avaliarão, lhe indicarão casa para alugar naquela rua, lhe darão trabalho, lhe apresentarão o país. Ali fará amigos. Ali torna-lo-ão português.

O café é o sítio onde realmente nos conhecem e o demonstram. É o sítio onde o empregado não é empregado: é um psicólogo com memória de elefante que sabe quem bebe a bica pigada e em chávena escaldada, quem a toma curta, quem prefere o carioca e quem gosta dela cheia; é aquele que sabe que o meu galão “é morno, normal, com café de máquina” e a minha sandes é "de queijo, em pão mal cozido e obrigatoriamente com manteiga".

O café é onde sabemos de tudo e tudo sabe de nós. É onde nos sabemos verdadeiramente parte de uma sociedade.
O café é onde está a verdadeira democracia: pela mesma chávena bebe o operário e o patrão, à mesma mesa se senta a estudante e o pedreiro, do mesmo jornal lê o semi-analfabeto e o doutor.

Ir ao café pela manhã e ficar lá perdida, sem pressa, a observar as pessoas desta minha cidade, a estudar-lhes a fisionomia, a ler o jornal (até as gordas do horrível Correio da Manhã soam menos trágicas) é, sem dúvida, a melhor maneira de eu começar o dia.

Luxo algum me poderia dar mais prazer...

Obrigada Mãe Natureza, que me deste o clítoris e os cafés portugueses!

domingo, 25 de novembro de 2007

Bendita EDP

Ontem à noite, de repente, assim, sem mais nem menos, faltou a luz!

Fiquei danada!!

Então, como vão deixar que uma coisa destas aconteça numa fria noite de Inverno? “ — Anda uma pessoa a pagar a estes chulos e o serviço é o que se vê!....” Enfim... aqueles mimos que nós, portugueses, tanto gostamos de brindar o que nos é devido por direito e não por ofensa.

Pela escuridão de todo o quarteirão, visível da janela da cozinha e da área que adaptei para refeições, entendo que não sou a única a, naquele momento, ofender a mãe dos senhores da EDP.
Como seria natural, não corro a buscar a vela. Deixo-me ficar ali, à janela, e depressa me esqueço dos 25 euros mensais que pago por conta fixa de luz. Observo como, aos poucos e poucos, tal presépio gigante vivo, se vão timidamente enchendo de uma trémula claridade alaranjada as janelas do meu quarteirão-fantasma.

Consola-me aquela visão: imaginar as pessoas a pegar em velas e, tal como os nossos antepassados, não terem outra coisa que fazer senão olharem-se uns aos outros. Imaginei a discussão entre um casal que, interrompida de repente, dá lugar a um embaraçoso silêncio (quem vai discutir à luz da vela?), imaginei a mãe descobrir que, afinal, o filho não estava na night, mas sim em casa, fechado no quarto, a jogar computador (com o corte de luz ele veio à sala ver o que se passava), imaginei os amantes que, do frio, se aninham nos braços um do outro, imaginei o marido, que por falta de opção observa a esposa à luz da vela e recorda-se porque é que se casou com ela... e sorri.

Imagino tudo isso e deixo-me ficar ali... a olhar.

Faço um chá (felizmente o gás não é da EDP) e de caneca na mão volto a encostar-me ao parapeito. Torno a olhar para o presépio de prédios com janelas aconchegantes... como que se a paz tivesse coroado a noite só neste quarteirão (ao longe podia vislumbrar as luzes eléctricas do resto da cidade em guerra).

Estou nestas divagações espirituais quando os meus olhos são atraídos pela luz fria, contrastante com a das janelinha, prateada e forte, a inundar a parede da esquina do meu prédio com o do vizinho. Só então me apercebo conscientemente que a noite estava clara, que a lua cheia, embora daquele lado da casa não fosse visível, derramava sobre o quarteirão pacífico uma terna, e ao mesmo tempo contrastada, luz intensa e indefenida.

Afastei-me da janela e tentei perceber qual a cor daquela luz que, mantendo-me mergulhada a sala no preto da noite, permitia-me ver tudo, como se de dia tratasse.

Como recriá-la tão magnífica? De onde é que ela vem? Para onde vai? Em que direcção apontam as sombras? E qual a cor, meu Deus, qual a cor dessa luz??

Frustrada e maravilhada tenho curiosidade de ver o meu quarto, esconço, com a janela por cima, aberta ao céu.

Entro no quarto e fico sem palavras, se palavras tivesse tido até então.

Lindo!

Não sei que mais dizer, senão "Lindo!"...

De novo aquela luz escura, que aqui entrava directa e direccionada, derramando em parte da deslavada colcha Ikea o rectângulo da janela e do céu por cima dela. E, no alto, lá estava a Lua, czarina da noite, desafiando os meus anos de aulas russas, de cursos e práticas, rindo condescentemente do meu título de directora, das dezenas (centenas?) de livros sobre iluminação que já li e palestras que já ouvi.

Sentei-me no chão, encostada às almofadas e aconchegada pelo robe e o cobertor que fui buscar – não quis desfazer a cama; tive medo de com ela desfazer a Luz! Fiquei ali, semi-deitada, a olhar, a ver, a sondar, a perscrutar, a tentar perceber como fazê-la... E se perceber não podia, que o sono chegava e a Lua estava alta, tentei sentir... Pus primeiro a mão, depois a cara debaixo dela, directamente sob a janela... Talvez a pele me diga o que os olhos não conseguem. E assim adormeci...

Quando acordei já a guerra tinha voltado ao quarteirão, a luz da sala estava ligada e o filho da outra senhora voltado a fechar-se no quarto.

Mas na pele eu tinha ainda a sensação do incolor do luar que os filmes teimam em azular. E eu também, enquanto não lhe desvendar o mistério do frio e da cor...

Que os senhores da EDP tenham um santo Natal e benditas as mães deles entre as mulheres!



LUAR

Breu que desoculta
O lado escuro da Terra
Enche-me de Lua Cheia
O quarto
Minguante da carícia
Na colcha lavada
De branco sujo.

Alua-me a Lua os olhos
Habituados à incandescência
Da vida eléctrica que tenho
No quarto
Cresente das coisas
Que vou descobrindo nas sombras.

Ali está a cama
E a pilha que eu sei serem livros no chão.
Nada mais no meu quarto,
A não ser as trevas do céu
Do outro lado da janela
Virada para cima

E a Lua
- grávida de luz -
Teima em descer,
Parindo-me no quarto
A mais bela escuridão
Que olhos humanos
São dignos de ver.

25 de Novembro de 2007
(escrito hoje de madrugada, ainda sob o reinado da Lua, antes de o Sol a ofuscar)

quarta-feira, 14 de novembro de 2007



Porque me temes, homem
Se me encolho quando me bates?
Se choro de luto a tua morte prematura?

É que, já vês, tu morrerás sempre antes de mim,
Na soberba ilusão que enganas a morte!

Não tenhas ilusões, homem.
Eu sou mais forte!

terça-feira, 13 de novembro de 2007

A Felicidade

Eu vi a Felicidade!

Não... acho que não entenderam!

Eu vi mesmo a Felicidade! Em carne e osso!

Pela segunda vez na vida tive a honra de a ter à minha frente. Qual estrelas de Holywood, qual carapuça!!

A primeira vez que me dei conta da Sua presença foi no aeroporto de Lisboa, nos olhos do Valeriy. Nunca na vida havia visto eu olhos tão límpidos, puros e transparentes, tão transbordantes de algo que, pela raridade, compreendi ser a Felicidade no seu estado primário. E estava ali, a menos de um metro de mim!

Esperavamos a Kátia, a filha que o Valeriy não teve, mas que criou como sua. Ia para 5 anos a distância entre os dois, até que finalmente o tão chorado visto, que permite aos homens cumprir a lei que a Natureza lhes impede quebrar, saiu. Depois de muitas lágrimas e documentos, Kátia estava por fim na posse do visto que lhe permitia juntar-se à Marita, a mãe dela e esposa do Valeriy.

Na espera do hall do aeroporto a Marita estava nervosa, tremia, chorava, queixava-se da demora, da polícia, da burocracia. Afinal o avião havia aterrado havia mais de uma hora e nada da Kátya. A Marita tinha medo: “E se de repente não a deixam entrar em Portugal? E se há algum problema com o visto dela?”. Tive que a acalmar e telefonar para o SEF para lhe provar que ninguém havia sido detido. Quase me chateava com ela por causa daquele pessimismo nato que a Marita consegue ter nas horas mais inusitadas. Mas aquele, admitamos, não era momento para chatices!

Ela havia deixado a filha com 12 anos e agora vinha naquele avião uma moça com quase 17 a quem a avó materna tinha feito crescer esses 5 anos.

Mas eis que finalmente começam a sair as crianças. Primeiro uma menina. Ouve-se um grito “Доченька моя!” e do meio da multidão salta uma mulher qual empilhadora por entre os escombros, levando à frente tudo e todos, até conseguir alcançar a menina e quase sufocá-la de tantos beijos e afogá-la de tantas lágrimas. [aos incultos que não sabem russo: “Доченка моя” (lê-se ‘Dotchenka maya’) significa “filhinha minha” (algo que em português soa como “filha do meu coração” ou “minha filhinha” para os mais puristas que preferem as traduções “à letra” e não “ao sentido”].

Pressentimos então que a Kátya seria a próxima a aparecer por detrás daquela porta de vidro. Esperavamos impacientes. E é então que me viro para o Valeriy para lhe dizer algo e A vejo no rosto dele: a Sra. Felicidade.

O Valeriy não falava, não chorava, não gritava, nem mesmo parecia estar nervoso. Nos seus olhos claros consegui vislumbrasr de repente a promessa de um mundo melhor. Acreditem que petrifiquei. Eu, que trabalho com luz, que ansei poder vir um dia a tratá-la por “tu”, nunca havia visto um rosto assim iluminado... de dentro.

Palavras não existem para descrever aquela expressão. Não conseguia desviar o olhar do rosto do Valeriy, da pureza dos seus olhos cristalinos, brilhantes da turbulência de emoções que lhe ia na alma e que estava preste a chover-lhe pelos olhos. Percebi que estava na presença de uma entidade superior personificada naquele rosto, naqueles olhos, naquele sorriso inigmático que tornava cinzenta qualquer Mona Lisa. Eu tinha à minha frente a Sra. Felicidade. Em pessoa!

E, enfeitiçada como estava a olhar para o Valeriy, perdi a entrada da Kátya e a reacção da Marita. E só despertei desta hipnose quando a Felicidade do Valeriy foi substituída pela euforia do reencontro e este salta subitamente de ao pé de mim e vai a correr ter com a Kátya. Abraça-a, beija-a, diz-lhe coisas carinhosas. E eu observo-o, fito-lhe o rosto e já não A vejo. Vejo uma alegria imensa que transborda para lá do perímetro do aeroporto, vejo o êxtase do encontro da pessoa amada, vejo o riso verdadeiro, sem convenções nem regras, vejo o fervilhar do amor a recuperar os dias perdidos. Mas aquela Luz havia entretanto desaparecido...

Tomei então cosnciência que tinha estado perante uma entidade superior. E que tinha tido a sorte de ter dado conta disso.

A segunda vez que me dei conta disso foi este fim de semana passado.

Encontrava-me na Figueira da Foz, aonde tinha ido fazer a iluminação para o 7º Eurofestival da Canção do Deficiente Mental. Quando foi anunciado o nome do vencedor, revejo nele aquela mesma Luz mágica interior com que jamais pensei vir a cruzar-me naquele lugar.

Tínhamos as câmaras apontadas para os participantes e na hora de dizerem o nome do vencedor eu foquei a minha atenção no Danny, o concorrente da Holanda, para fazer o respectivo efeito de luz, pois já tinha sido informada uns instantes antes que era ele o vencedor. Tenho que admitir que não olhei para mais nenhum participante e que se me perguntarem não sei dizer qual foi a reacção dos outros, pois fiquei de novo hipnotizada pelo cristalino do seu olhar. De novo aquela luz interior, enigmática, transversal a todas as pequenas e grandes alegrias.

Reconheci-A imediatamente! Fiquei contente de a rever, desta vez nos olhos chorosos do Danny, no tremor que tomou conta das suas mãos, na busca insessante que os seus olhos faziam ao longo da sala (Quem – ou o que – procuraria ele?).

Nele a felicidade reteve-se mais tempo que no Valeriy. Alguns minutos... uma eternidade para mim, que desisti de tentar reter as lágrimas. Não sei como fiz os efeitos de luz. Levei as mãos à mesa e carreguei em tudo o que era botão, mas desviar os meus olhos do Danny, eu não desviei. Não queria perder nada da presença d’Ela ali.

A claque dele delirava, rodearam-no, gritavam, choravam e riam ao mesmo tempo. Tudo em holandês... e sabem de uma coisa?... Descobri nesse instante que o holandês é extremamente parecido com o português! Senão como explicar que eu entendia tudo? A Felicidade derramou-se do Danny e por uns breves instantes tornou-se coletiva. Ali estava ela, em grande escala, de novo personificada nos olhos translúcidos dos amigos e apoiantes do Danny.

E rapidamente voltou ao Danny. Rapidamente o holandês se tornou chinês e eu deixei de entender as palavras [pessoa culta tem que saber russo, mas não é obrigada a saber chinês!]. Só o Danny é que continuava a brilhar, é que continuava a prometer um mundo melhor com os olhos que nessa altura haviam perdido o olhar esgaziado de louco que até então lhe era característico. Todos os outros comemoravam a vitória!

Será que tem que se ser louco para se ser realmente feliz? Se assim for, como explicar o caso do Valeriy? Ter-se-á a Felicidade enganado? É que de louco o Valeriy não tem nada! Eu diria até que tem um irritante racionalismo ilógico (esta do “racionalismo ilógico” fica para explicar uma outra vez) que o torna tão “normal” e encantador socialmente.

Qual a premissa necessária para que a Felicidade encarne em nós?

Não é o raciocínio, não é a destreza mental, não é a calma nem o nervosismo, não é a idade nem a nacionalidade, não é a compra de um carro topo de gama, nem, com certeza, o último modelo de telemóvel da Nokia... O que será? Que condições internas exigirá a Felicidade para descer à Terra e nos bafejar internamente com a sua presença?

E enquanto vos desabafo estes desvairos de observadora curiosa, confesso-vos que estive ainda mais uma vez na presença d’Ela, uma terceira vez que aqui não mencionei porque foi um caso diferente.

Foi uma vez que a Felicidade, a tal suprema Luz que jamais conseguirei fazer, me visitou pessoalmente. Mas isto, meus amigos, é estória para outra história, que esta já peca pelo tamanho!

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Да Здравствует Революция!





Que viva a Revolução!


Porque houve quem acreditasse!
Porque a memória é curta e a ganância longa!
Porque os cegos também têm fome e as perguntas são muitas!
Porque a utopia fez-se gente, sem nunca se ter feito sonho!
Porque há ainda quem nos olhe nos olhos e não nos deixe esquecer!

Aos 90 anos da Revolução de Outubro!





segunda-feira, 5 de novembro de 2007



Há uma luz ao fundo do túnel!
- Diz o optimista.
Há pessoas sem luz no túnel!
- Diz o pessimista.
E eu, que fotografei o túnel,
Só vejo a beleza das silhuetas
No recorte da mão que pede esmola.

Que serei?

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

United States of America




USA
...e abusa:
Bandeira,
Fast food,
Gente gorda.

In God we trust!

Fuck you fucking fuck!

Puta que os pariu!
(que a mãe deles,
Por mais que queiram,
não é diferente da minha!)

sábado, 27 de outubro de 2007

INSÓNIA

Cortante desliza por mim
O lânguido silêncio da noite,
Abrindo-me chagas na carne
E deixando-me sal nos olhos.
Tal viúva negra
Que tece lentamente
As teias do meu caixão.

Vencida jaz minh’alma por fim!
E a negritude da noite
- como chocolate, puro e amargo -
Derrete-se na boca de Morfeu
Fazendo-o esquecer-se de mim!

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Frase do dia

Estou no elevador. Entram duas amigas. Conversam sobre o fim do namoro de uma delas. Pergunta a primeira: Mas tu tens saudades dele?

— Saudades dele? Não, nem pensar!

(pausa)

...eu tenho é saudades de estar com ele...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Minha ama foi um Boca de Sapo

Os meus pais eram uns aventureiros nómadas, sempre viajando de um lado para o outro, sempre em deslocação, fosse em Portugal, Espanha ou França. Assim sendo, a minha infância foi passada dentro de carros em movimento. Eu acompanhava-os sempre nas suas epopeias ciganas. Ah... e como eu gostava dessas epopeias!! Ansiava pelo desconhecido atrás de cada curva da estrada e, qual valente Diogo Cão, sentia correr-me nas veias o sal do mar que não tem donos nem fronteiras.

Chegando a noite, o banco de trás tinha sempre uma mantinha reservada para mim e uma almofadinha para melhor me acolher a cabeça. Sinto até hoje o deleite de acordar e sentir aquele balançar característico do “boca de sapo”. Adorava aquele carro e seu embalo.

Estranhava acordar e estar parada. Normalmente as noites dos meus pais terminava num qualquer bar, boite ou casa noturna de Paris e nessa altura, então, eles deixavam-me já ferrada no sono, a dormir no carro. Mas, apesar do aparente desagrado da falta de balanço, lá voltava eu a adormecer, bem aconchegadinha, no banco traseiro do Boca de Sapo, protegida de todos os males do mundo.

Explico-me a mim mesma com esta história o facto de até hoje adorar dormir em carros, principalmente quando estão em andamento. Dão-me aquela sensação de liberdade, de movimento real no espaço, que a cama alguma, por mais sexo selvagem que prometa, pode dar. Tem dias que fico com uma vontade brutal de voltar àquele carro da minha infância – não tanto por saudosismo (que aqueles tempos foram bons e maus, como os tempos de qualquer infância normal), mas para sentir de novo aquela liberdade despreocupada, única no Universo, pela qual ando a desesperar.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Feliz Aniversário

Há tanta coisa em mim que ficou por dizer, mas que não quer ser dita!

Perdi a vontade de falar, encontrei a inutilidade das palavras e quedo muda perante a indescritível mágoa de não termos dado certo.

Juro que por um tempo pensei que pudesses ser tu a preencher este vazio... este eterno vazio que me acompanha no meio da multidão...

Mas ninguém pode, Pedro. A culpa não é tua. A tua culpa é outra, que não esta. Desta absolvo-te e penitencio-me a mim, pedindo-te, por aqui, que de outro modo não poderá ser, desculpa por ter depositado em ti tal esperança comum.

Só eu, Pedro, só eu poderei preencher o meu vazio. Daí ele ser meu... e não teu!

Gostaria de te telefonar, de te dizer que te quero saber feliz, talvez até pagar-te um copo para comemorar o teu aniversário... quem sabe...

Mas para isso teria que correr um rio entre nós e levar as mágoas para o mar, como diz a canção. E eu não vou mentir: da minha parte elas são muitas.

Parabéns, Pedro. E parabéns à "Xona", que faz um ano nas tuas mãos.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Frase do dia

Frase ouvida hoje da boca de uma senhora bem idosa que conversava com outra, também idosa, mas visivelmente mais nova:
(Local: avenida da Liberdade, à porta do teatro Tivoli. Hora: 2 da tarde)

- Só tem 76 anos??... Ui... Ainda é uma jovem!

Moral da história: os jovens que se cuidem.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Você veio hoje me ver... Adoniran

Tem momentos que sou invadida por esta tristeza cinza que não consigo tranformar em palavras. E quem se permite sentimentos profundos sabe que a tristeza é como o amor: quanto mais forte, mais 'indizível'.

Mas não se julgue que esta é uma daquelas tristezas doentes, sem eira nem beira, que não sabe de onde vem nem para onde vai. Não! A minha tristeza é sempre definida, tem sempre uma causa, normalmente sendo o acumular de várias que, por sua vez, essas sim, são intraduzíveis em língua de gente. Se não como descrever o olhar do cão estropiado depois de uma luta em que sedentos loucos de sangue gritam e em seguida o abandonam com porrada por ter “perdido”? Como descrever a mente das duas irmãs que achavam normal ter relações com o pai, visto este violar ambas havia anos - desde o dia em que a mãe de ambas morreu - e elas não terem conhecido outra realidade desde os 5 e 6 anos respectivamente? Como descrever a mãe que mata o filho à fome? Como descrever as imagens que nestes momentos me povoam a humidade dos olhos doridos do esforço de se manterem secos?

Não, meus amigos (se é que algum amigo lê isto), esta minha tristeza não é aquela tristeza urbano-depressiva pós-moderna da qual quase todos parecem padecer nos dias de hoje. Essa passa com medicamentos, com terapias no psicólogo, com compras no Centro Comercial e, em última análise, com uma dose mortífera de comprimidos.

Eu não me quero matar, não gosto particularmente de andar às compras, tenho pavor de medicamentos e quanto a terapias pagas com hora marcada... bem... não comento.

Eu sei porque estou triste, mas não sei como explicar essa triseza. Nem quero. Não acredito, sinceramente, que a minha tristeza seja maior que a dos outros, cujas causas me parecem ridículas, como ridículo será para os outros o olhar do meu cão e da Rita, aquela menina angolana que no dia de Natal de há uns anos eu vi na televisão por entre os destroços de um bombardeamento efetuado na noite de Natal. A Rita procurava algo por entre as ruinas que tinham sido a sua casa. Seria a boneca de pano que ela procurava? Seria a mãe? Saberia a Rita que aquele era o dia do Amor Universal? Que Cristo tinha nascido?

Não sei... não me lembro. Hoje, passados anos, só me recordo do nome dela... e do olhar. Meu Deus... aquele olhar, como o do cão que vi hoje na fotografia... confuso... que só se sabia vivo porque me olhava... e nada mais.

Os meus colegas de trabalho estão lá dentro, no refeitório, a jantar. Eu não tenho fome. Tal como não tive mais fome nesse Natal. Eu nunca tenho fome quando fico triste.

E que direito tenho eu em estar triste quando a Rita continua a revolver os escombros nos meus pesadelos e o cão já morreu e ainda não sabe? Que problemas tenho eu no universo das Ritas e dos cães? Que não encontro o amor? Que não terei trabalho depois de Dezembro? Que não me realizo profissionalmente? Porque amei e não fui amada? Ora... Que ridícula és, Dina, como ridículas são as cartas de amor que não recebes... nem escreves.

Vai embora, Tristeza, tal como o bicho-papão da minha infância ia embora quando a minha mãe me embalava.

domingo, 7 de outubro de 2007

O cúmulo da solidão

Sabemos verdadeiramente que estamos sozinhos quando comemos sozinhos...

A seguir a um caixão de criança, não deve haver nada mais triste que um só prato na mesa.

Há já algum tempo que só tenho um prato na mesa. E insisto em pô-lo, para não me esquecer que estou cá.

A escolha foi minha. O que prova que até uma optimista como eu faz, por vezes, escolhas bem tristes...

Mas voltar atrás seria condenar-me a jantar acompanhada de comida amarga sem gosto.

Não!... Mil vezes o gosto da solidão...

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Os poetas que me perdoem

Às vezes, só às vezes, tenho a mania que sou boa. No restante do tempo sou mesmo.

Independentemente disso nunca atravessei aquele periodo idiota de "Vejam que sentimentos profundos eu derramo num poema de meter inveja a qualquer Pessoa".

Jamais tive crises existenciais de adolescente idiota, nunca achei que "ninguém me ama" nem que alguém me compreenderia. Nunca tive pretensões a ser poetisa. Só a ser aquilo que não podia ser.

Que me perdoem, por isso, os poetas de alma verdadeira por estes desabafos multilíneos, que só o são por preguiça de estarem juntos.



PECADO

Que o único pecado seja abusar do amor alheio
Que sendo pobre, simples e feio
Não deixa de ser amor.

Tudo o resto,
– todo o choro e todo o riso –
São precalços do caminho
Que nos leva ao Paraíso.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Porquê?

Porque somos feitos da Insensatez de falar durante toda a vida e morremos sem dizer a quem se ama, que se ama.

E a quem se detesta, que se detesta...

Que as palavras são para ser ditas
E as letras para ser escritas!