domingo, 12 de setembro de 2010

A Mulher de César

Deveríamos pensar sempre duas vezes antes de acusarmos os nossos amigos de serem maus amigos, de nos falharem nas horas de aflição, de não nos livrarem da solidão e de fingirem não perceber das nossas necessidades.

Não, a sério! Não estou a ser irónica! Os amigos não têm culpa nenhuma de não corresponderem às nossas expectativas e falsas esperanças de sacrifícios que nós, com certeza, nunca estivemos dispostos a fazer por eles. E se estivemos, problema nosso, não deles!

Sejamos honestos! Tal como os povos, em última instância, merecem os governos que têm, também cada um de nós merece os amigos que (não) tem.

Eu, por exemplo - que sou o único exemplo fidedigno que consigo dar, por possuir a única cabeça dentro da qual consigo entrar - sem querer ser patética (que, tal mulher de César, eu sei que pareço) sinto-me absolutamente abandonada por todos os meus amigos. Sem excepção, não vou mentir! E esta solidão na qual arrasto no dia-a-dia é de tal modo digna de pena, que escrever aqui o que ninguém lê parece-me um acontecimento socialmente excitante. É como ser-se convidada para uma festa onde somos os únicos a festejar, sem entender muito bem quem enviou o convite.

A falta da presença física e moral de amigos é atordoante, deixa os sentidos dormentes, tal qual o braço muito tempo imobilizado debaixo do corpo de várias toneladas adormecido em cima dele. Sabem aquela sensação que se tem durante 2 ou 3 segundos que parecem eternos quando, ao libertarmos finalmente o braço dormente, este parece que se se vai, a qualquer momento, desmembrar, separar do resto do corpo?... Ele não dói, mas sabemos que se o mexermos o perdemos para sempre e, ao mesmo tempo, sentimos chegar com horror o sangue aos vasos, anunciado a entrada de milhões de agulhas na carne, tal tortura medieval? E de quem é a culpa? Do braço, que se limita a levar-nos a mão onde queremos, ou nossa, que dormimos em cima dele e lhe exigimos operacionalidade constante?

Pois é, a tomada de consciência da inexistência de amigos corresponde a esses dois ou três segundos entre o condicionamento físico e a tortura medieval. Sentimos como que se os amigos fossem membros sobre os quais dormimos e que agora se despegam e nos espetam agulhas a cada movimento que fazemos sem eles.

E eu pergunto, tal como o braço dormente, não será a solidão fruto do nosso corpo adormecido em cima dela?

Subjugamos as amizades ao peso que temos da consciência das coisas para connosco. No entanto, alguma vez os nossos amigos nos prometeram amparar nas horas de desespero?

Não sei quanto a vocês, mas os meus nunca prometeram tal coisa!

A questão é que eu parti do princípio que eles estariam sempre presentes e, no entanto, nunca estive sempre presente nas aflições deles. E se em algumas estive, que horas houve, nada mais fiz do que a minha obrigação como amiga. Neste preciso momento, por exemplo, quantos amigos meus estarão a precisar de uma palavra de conforto, de um riso ao telefone, de um cafezinho na esplanada de um qualquer café? - Eu juraria que nenhum, mas isto é porque a minha dor me parece ser a única digna desse nome. Acho que todos estão bem e que todos me abandonaram.

Ora, se não assumimos o nosso fracasso na escolha de amigos que não nos convinham, tenhamos pelo menos a coragem de assumir a responsabilidade pelos nossos actos: os meus amigos não são responsáveis pela minha solidão. EU é que parti do princípio que eles estariam sempre cá, EU é que os imaginei super-heróis, EU é que pintei a banda desenhada onde eles me iam salvar e EU é que tenho a sensação que faria por eles aquilo que eles não fazem por mim. Mas faria?

Não nos compete esperar das pessoas mais do que aquilo que elas nos dão e não receber menos do que aquilo que elas parecem destinadas a oferecer-nos. Porque às vezes, uma descontraída conversa na esplanada pode ser tudo o que precisamos.

Os meus amigos não estão cá para serem a mulher de César nem para me salvar. Que se salvem a si e me libertem dessa tarefa, é o que lhes desejo!

Os meus amigos estão cá para parecerem a mulher de César, para eu os imaginar amigos. E todos os exageros que daí advenham serão de minha inteira responsabilidade!