segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Amigos, Amores e Banha à mistura

Fim de ano é época de balanço.

E que balanço anual poderei eu fazer se os pratos são só dois e o peso um?

Como encaixar todas as facetas de todos os dias de todo o ano num prato de balança? O Sr. Agostinho, o merceeiro da minha infância, que ainda vendia feijão ao litro e mexia nos tostões, saberia como fazê-lo. Eu, não.

Encaixar a vida num prato é uma arte. Que o digam os famintos espalhados pelo mundo dos excessos, (sub)viventes que são no planeta da abundância dos pesos e medidas.

Hoje a minha alma, como diriam os russos, chora. Os portugueses, pouco dados a divagações lacónicas, preferem a expressão “Tou c’uma neura que não me digam nada e se alguém me chatear parto esta merda toda!”.

Termina triste este ano que triste começou... perdi hoje um amigo e, já o Sérgio Godinho diz, coisa mais preciosa no mundo não há.

Regressemos ao início, não ao Verbo, mas à balança: tenho que resumir o meu ano a um prato e pôr o peso no outro. Tenho que escolher algo, uma única faceta, que encerre todas as outras. Lugar para mais, no prato do balança, não há.

Assim sendo, que venha a saúde!

Tudo o resto, de repente, torna-se pequeno demais para ser pesado pelo quilo do ano. Senão, vejamos:

- Que estou desempregada e só tenho dinheiro para viver mais um mês?... Ora... trabalho não falta, ele só ainda não sabe é que eu também não falto, e quanto ao dinheiro para um mês, bem... não dizem que o tempo é psicológico?... Pode ser que o dinheiro também o seja!

- No que respeita à minha vida social, este ano ela pura e simplesmente não existiu. Aliás, reformulo a frase: o ano da minha vida social não existiu! Eu andei chateada de mais para o deixar sequer nascer. Assim sendo, como posso chatear-me com algo não existente? (Problema resolvido!)

- Os amigos... bem.... esses, dói perdê-los, mas vendo bem as coisas, os amigos não se perdem: ou nos perdemos nós, ou nunca os tivémos como amigos. Amigo, por definição, é achado!! Ponto!

- Quanto ao amor... ah... o Amor... Sabem, quem, como eu, teve a sorte de ter tido o grande desgosto de amor – aquele que nos mata depois de mortos ao acordar e faz a saudade doer fisicamente na pele – logo no primeiro namoro, enfrenta todos os outros desgostos como menores, por grandes, dolorosos e longos que sejam. Depois da “grande dor”, qualquer dor será como um quilo de banha acrescentada a um obeso norte americano: piora-lhe a saúde e estica-lhe mais a pele mas, tirando isso, ninguém dá por ela, nem o próprio.

Falando em pele, sabem que ela é o único orgão que não mente? Talvez por isso tenha recebido o direito de ser o maior em nós. E a ingenuidade da pele é a única coisa realmente irreversível. Até da morte há quem volte.... mas a ingenuidade, uma vez perdida, não regressa. Jamais! Se voltar nunca foi ingenuidade (o que não impeça que não seja amor, note-se!).

A ingenuidade, a minha pele perdeu há muito. Ainda lhe dói... e todas as outras dores se vão sobrepondo, como um quilo de Banha a mais...

E assim temos que de amor estou bem, obrigada. O único “mas” é a dor da pele que já conhece o desencanto do amor que (mais uma vez) não conheci este ano.

E assim sendo pego na balança, ponho a saúde num prato e o ano-quilo no outro. Pende o ponteiro para a saúde! E pende muito!

E eis que sorrio! Sou uma mulher feliz! Que mais posso desejar de um ano que termina com todos os desejos do mundo turbilhando em mim, na possibilidade de serem concretizados?

Obrigada 2007. Bebo agora ao novo ano! Que venha 2008 que, se a saúde me permitir, trabalharei, ganharei dinheiro, quererei, serei querida, farei novos amigos, manterei os velhos e reconquistarei os perdidos que simplesmente se estraviaram. Quanto aos outros, aos perdidos, aos que nunca foram amigos, nem amores, que façam boa viagem!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Kyrie

Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta,
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio,
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!

José Carlos Ary dos Santos

Paz na Terra aos Homens de boa vontade,
que da guerra se ocuparão os de má vontade!