domingo, 25 de novembro de 2007

Bendita EDP

Ontem à noite, de repente, assim, sem mais nem menos, faltou a luz!

Fiquei danada!!

Então, como vão deixar que uma coisa destas aconteça numa fria noite de Inverno? “ — Anda uma pessoa a pagar a estes chulos e o serviço é o que se vê!....” Enfim... aqueles mimos que nós, portugueses, tanto gostamos de brindar o que nos é devido por direito e não por ofensa.

Pela escuridão de todo o quarteirão, visível da janela da cozinha e da área que adaptei para refeições, entendo que não sou a única a, naquele momento, ofender a mãe dos senhores da EDP.
Como seria natural, não corro a buscar a vela. Deixo-me ficar ali, à janela, e depressa me esqueço dos 25 euros mensais que pago por conta fixa de luz. Observo como, aos poucos e poucos, tal presépio gigante vivo, se vão timidamente enchendo de uma trémula claridade alaranjada as janelas do meu quarteirão-fantasma.

Consola-me aquela visão: imaginar as pessoas a pegar em velas e, tal como os nossos antepassados, não terem outra coisa que fazer senão olharem-se uns aos outros. Imaginei a discussão entre um casal que, interrompida de repente, dá lugar a um embaraçoso silêncio (quem vai discutir à luz da vela?), imaginei a mãe descobrir que, afinal, o filho não estava na night, mas sim em casa, fechado no quarto, a jogar computador (com o corte de luz ele veio à sala ver o que se passava), imaginei os amantes que, do frio, se aninham nos braços um do outro, imaginei o marido, que por falta de opção observa a esposa à luz da vela e recorda-se porque é que se casou com ela... e sorri.

Imagino tudo isso e deixo-me ficar ali... a olhar.

Faço um chá (felizmente o gás não é da EDP) e de caneca na mão volto a encostar-me ao parapeito. Torno a olhar para o presépio de prédios com janelas aconchegantes... como que se a paz tivesse coroado a noite só neste quarteirão (ao longe podia vislumbrar as luzes eléctricas do resto da cidade em guerra).

Estou nestas divagações espirituais quando os meus olhos são atraídos pela luz fria, contrastante com a das janelinha, prateada e forte, a inundar a parede da esquina do meu prédio com o do vizinho. Só então me apercebo conscientemente que a noite estava clara, que a lua cheia, embora daquele lado da casa não fosse visível, derramava sobre o quarteirão pacífico uma terna, e ao mesmo tempo contrastada, luz intensa e indefenida.

Afastei-me da janela e tentei perceber qual a cor daquela luz que, mantendo-me mergulhada a sala no preto da noite, permitia-me ver tudo, como se de dia tratasse.

Como recriá-la tão magnífica? De onde é que ela vem? Para onde vai? Em que direcção apontam as sombras? E qual a cor, meu Deus, qual a cor dessa luz??

Frustrada e maravilhada tenho curiosidade de ver o meu quarto, esconço, com a janela por cima, aberta ao céu.

Entro no quarto e fico sem palavras, se palavras tivesse tido até então.

Lindo!

Não sei que mais dizer, senão "Lindo!"...

De novo aquela luz escura, que aqui entrava directa e direccionada, derramando em parte da deslavada colcha Ikea o rectângulo da janela e do céu por cima dela. E, no alto, lá estava a Lua, czarina da noite, desafiando os meus anos de aulas russas, de cursos e práticas, rindo condescentemente do meu título de directora, das dezenas (centenas?) de livros sobre iluminação que já li e palestras que já ouvi.

Sentei-me no chão, encostada às almofadas e aconchegada pelo robe e o cobertor que fui buscar – não quis desfazer a cama; tive medo de com ela desfazer a Luz! Fiquei ali, semi-deitada, a olhar, a ver, a sondar, a perscrutar, a tentar perceber como fazê-la... E se perceber não podia, que o sono chegava e a Lua estava alta, tentei sentir... Pus primeiro a mão, depois a cara debaixo dela, directamente sob a janela... Talvez a pele me diga o que os olhos não conseguem. E assim adormeci...

Quando acordei já a guerra tinha voltado ao quarteirão, a luz da sala estava ligada e o filho da outra senhora voltado a fechar-se no quarto.

Mas na pele eu tinha ainda a sensação do incolor do luar que os filmes teimam em azular. E eu também, enquanto não lhe desvendar o mistério do frio e da cor...

Que os senhores da EDP tenham um santo Natal e benditas as mães deles entre as mulheres!



LUAR

Breu que desoculta
O lado escuro da Terra
Enche-me de Lua Cheia
O quarto
Minguante da carícia
Na colcha lavada
De branco sujo.

Alua-me a Lua os olhos
Habituados à incandescência
Da vida eléctrica que tenho
No quarto
Cresente das coisas
Que vou descobrindo nas sombras.

Ali está a cama
E a pilha que eu sei serem livros no chão.
Nada mais no meu quarto,
A não ser as trevas do céu
Do outro lado da janela
Virada para cima

E a Lua
- grávida de luz -
Teima em descer,
Parindo-me no quarto
A mais bela escuridão
Que olhos humanos
São dignos de ver.

25 de Novembro de 2007
(escrito hoje de madrugada, ainda sob o reinado da Lua, antes de o Sol a ofuscar)

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