terça-feira, 13 de novembro de 2007

A Felicidade

Eu vi a Felicidade!

Não... acho que não entenderam!

Eu vi mesmo a Felicidade! Em carne e osso!

Pela segunda vez na vida tive a honra de a ter à minha frente. Qual estrelas de Holywood, qual carapuça!!

A primeira vez que me dei conta da Sua presença foi no aeroporto de Lisboa, nos olhos do Valeriy. Nunca na vida havia visto eu olhos tão límpidos, puros e transparentes, tão transbordantes de algo que, pela raridade, compreendi ser a Felicidade no seu estado primário. E estava ali, a menos de um metro de mim!

Esperavamos a Kátia, a filha que o Valeriy não teve, mas que criou como sua. Ia para 5 anos a distância entre os dois, até que finalmente o tão chorado visto, que permite aos homens cumprir a lei que a Natureza lhes impede quebrar, saiu. Depois de muitas lágrimas e documentos, Kátia estava por fim na posse do visto que lhe permitia juntar-se à Marita, a mãe dela e esposa do Valeriy.

Na espera do hall do aeroporto a Marita estava nervosa, tremia, chorava, queixava-se da demora, da polícia, da burocracia. Afinal o avião havia aterrado havia mais de uma hora e nada da Kátya. A Marita tinha medo: “E se de repente não a deixam entrar em Portugal? E se há algum problema com o visto dela?”. Tive que a acalmar e telefonar para o SEF para lhe provar que ninguém havia sido detido. Quase me chateava com ela por causa daquele pessimismo nato que a Marita consegue ter nas horas mais inusitadas. Mas aquele, admitamos, não era momento para chatices!

Ela havia deixado a filha com 12 anos e agora vinha naquele avião uma moça com quase 17 a quem a avó materna tinha feito crescer esses 5 anos.

Mas eis que finalmente começam a sair as crianças. Primeiro uma menina. Ouve-se um grito “Доченька моя!” e do meio da multidão salta uma mulher qual empilhadora por entre os escombros, levando à frente tudo e todos, até conseguir alcançar a menina e quase sufocá-la de tantos beijos e afogá-la de tantas lágrimas. [aos incultos que não sabem russo: “Доченка моя” (lê-se ‘Dotchenka maya’) significa “filhinha minha” (algo que em português soa como “filha do meu coração” ou “minha filhinha” para os mais puristas que preferem as traduções “à letra” e não “ao sentido”].

Pressentimos então que a Kátya seria a próxima a aparecer por detrás daquela porta de vidro. Esperavamos impacientes. E é então que me viro para o Valeriy para lhe dizer algo e A vejo no rosto dele: a Sra. Felicidade.

O Valeriy não falava, não chorava, não gritava, nem mesmo parecia estar nervoso. Nos seus olhos claros consegui vislumbrasr de repente a promessa de um mundo melhor. Acreditem que petrifiquei. Eu, que trabalho com luz, que ansei poder vir um dia a tratá-la por “tu”, nunca havia visto um rosto assim iluminado... de dentro.

Palavras não existem para descrever aquela expressão. Não conseguia desviar o olhar do rosto do Valeriy, da pureza dos seus olhos cristalinos, brilhantes da turbulência de emoções que lhe ia na alma e que estava preste a chover-lhe pelos olhos. Percebi que estava na presença de uma entidade superior personificada naquele rosto, naqueles olhos, naquele sorriso inigmático que tornava cinzenta qualquer Mona Lisa. Eu tinha à minha frente a Sra. Felicidade. Em pessoa!

E, enfeitiçada como estava a olhar para o Valeriy, perdi a entrada da Kátya e a reacção da Marita. E só despertei desta hipnose quando a Felicidade do Valeriy foi substituída pela euforia do reencontro e este salta subitamente de ao pé de mim e vai a correr ter com a Kátya. Abraça-a, beija-a, diz-lhe coisas carinhosas. E eu observo-o, fito-lhe o rosto e já não A vejo. Vejo uma alegria imensa que transborda para lá do perímetro do aeroporto, vejo o êxtase do encontro da pessoa amada, vejo o riso verdadeiro, sem convenções nem regras, vejo o fervilhar do amor a recuperar os dias perdidos. Mas aquela Luz havia entretanto desaparecido...

Tomei então cosnciência que tinha estado perante uma entidade superior. E que tinha tido a sorte de ter dado conta disso.

A segunda vez que me dei conta disso foi este fim de semana passado.

Encontrava-me na Figueira da Foz, aonde tinha ido fazer a iluminação para o 7º Eurofestival da Canção do Deficiente Mental. Quando foi anunciado o nome do vencedor, revejo nele aquela mesma Luz mágica interior com que jamais pensei vir a cruzar-me naquele lugar.

Tínhamos as câmaras apontadas para os participantes e na hora de dizerem o nome do vencedor eu foquei a minha atenção no Danny, o concorrente da Holanda, para fazer o respectivo efeito de luz, pois já tinha sido informada uns instantes antes que era ele o vencedor. Tenho que admitir que não olhei para mais nenhum participante e que se me perguntarem não sei dizer qual foi a reacção dos outros, pois fiquei de novo hipnotizada pelo cristalino do seu olhar. De novo aquela luz interior, enigmática, transversal a todas as pequenas e grandes alegrias.

Reconheci-A imediatamente! Fiquei contente de a rever, desta vez nos olhos chorosos do Danny, no tremor que tomou conta das suas mãos, na busca insessante que os seus olhos faziam ao longo da sala (Quem – ou o que – procuraria ele?).

Nele a felicidade reteve-se mais tempo que no Valeriy. Alguns minutos... uma eternidade para mim, que desisti de tentar reter as lágrimas. Não sei como fiz os efeitos de luz. Levei as mãos à mesa e carreguei em tudo o que era botão, mas desviar os meus olhos do Danny, eu não desviei. Não queria perder nada da presença d’Ela ali.

A claque dele delirava, rodearam-no, gritavam, choravam e riam ao mesmo tempo. Tudo em holandês... e sabem de uma coisa?... Descobri nesse instante que o holandês é extremamente parecido com o português! Senão como explicar que eu entendia tudo? A Felicidade derramou-se do Danny e por uns breves instantes tornou-se coletiva. Ali estava ela, em grande escala, de novo personificada nos olhos translúcidos dos amigos e apoiantes do Danny.

E rapidamente voltou ao Danny. Rapidamente o holandês se tornou chinês e eu deixei de entender as palavras [pessoa culta tem que saber russo, mas não é obrigada a saber chinês!]. Só o Danny é que continuava a brilhar, é que continuava a prometer um mundo melhor com os olhos que nessa altura haviam perdido o olhar esgaziado de louco que até então lhe era característico. Todos os outros comemoravam a vitória!

Será que tem que se ser louco para se ser realmente feliz? Se assim for, como explicar o caso do Valeriy? Ter-se-á a Felicidade enganado? É que de louco o Valeriy não tem nada! Eu diria até que tem um irritante racionalismo ilógico (esta do “racionalismo ilógico” fica para explicar uma outra vez) que o torna tão “normal” e encantador socialmente.

Qual a premissa necessária para que a Felicidade encarne em nós?

Não é o raciocínio, não é a destreza mental, não é a calma nem o nervosismo, não é a idade nem a nacionalidade, não é a compra de um carro topo de gama, nem, com certeza, o último modelo de telemóvel da Nokia... O que será? Que condições internas exigirá a Felicidade para descer à Terra e nos bafejar internamente com a sua presença?

E enquanto vos desabafo estes desvairos de observadora curiosa, confesso-vos que estive ainda mais uma vez na presença d’Ela, uma terceira vez que aqui não mencionei porque foi um caso diferente.

Foi uma vez que a Felicidade, a tal suprema Luz que jamais conseguirei fazer, me visitou pessoalmente. Mas isto, meus amigos, é estória para outra história, que esta já peca pelo tamanho!

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