Da vida,
quando eu morrer,
levarei somente a memória daquele dia triste
em que te vi partir.
De resto
nada quero levar que não seja meu.
Já pesada me será a terra!
Quero ir leve como a penugem da ave que deixa o ninho.
E a última folha seca que abandona silenciosa a árvore no Outono.
À parte disso
Lego à vida tudo o que sou
Ao momento da morte.
A ela devolvo o óvulo que me pariu
No corpo mutante e seguro
Que me fez crescer.
Ao vento jogo os sonhos que deixei adormecer
Para que brisas de vidas futuras
Os despertem em portos nunca dantes atracados.
Ao mar do meu país,
Verde e azul como o olhar que tenho,
Deixo a espuma da saliva dos beijos que dei,
Deixo o sal das lágrimas que nunca chorei
E as ondas que banharam as praias da minha infância.
As noites de sonhos bem dormidos
Entrego à Lua,
Senhora das horas escuras
do meu passado nas insónias mil vezes revivido.
O meu riso
Deixo aos homens a quem roubei poesia suficiente
Para me fazerem rir.
As mentiras que contei,
De irrisórias e inofensivas,
Deixo aos conjuges infelizes
Que com elas se recuperem
No leito dos homens perfeitos
Ou no antro das meretrizes.
O que tenho de mal,
defeitos meus com os quais pequei,
Lego ao sabor do tempo
Que, ciente estou, algo se aproveitará
Pois à hora deste poema
Não matei, não roubei, respeitei mãe e pai
E se cobicei homem alheio
A Biblia não me condena!
Quando eu morrer não me chorem
Que eu não vou a lado nenhum.
Convosco fica o meu silêncio,
a parte de mim que calo para vos deixar.
E a graça que tenho,
Que os mortos não necessitam de nome.
E a longa caminhada que fiz,
de passos lentos e inseguros,
Lego ao chão,
Companheiro dos meus pés,
Quando o passo lhes faltou.
Tudo deixo,
Para que o pó ao pó volte,
E as cinzas às cinzas.
A exepção que faço
São os teus olhos escuros,
Que quando eu morrer,
Os deixarei mirarem-me uma última vez
Com o aceno da mão e o beijo lançado no ar,
Com o “te amo” intemporal
Dos amantes condenados.
Quando eu morrer
Que morra finalmente comigo
A única coisa que tenho:
este amor insano e ridículo
e todas as vãs ilusões de te ter tido!
(para o Zirão, a quem em tempos amei com a despreocupação das coisas simples e naturais)
Que tenhas um dia bom. Feliz Aniversário!
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