"Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse."
- Fernando Pessoa -
Que a língua dói nos olhos e que todos cometemos erros ortográficos não é novidade nenhuma. Que atire a primeira pedra quem não a quiser para calcetar a sua própria calçada.
Há erros que fazemos por distração, por pensar na morte da bezerra, há gralhas que nos fazem os dedos em comunhão com as teclas, há erros que fazemos por falta de prática, que a escrita é como o sexo e a oração: sem prática perde a naturalidade, e há erros que simplesmente estão lá, sem explicação surgem e, sem explicação, nunca desaparecerão. Humanos somos e como humanos morreremos, ao contrário da galinha, que nasce pinto e morre frango.
Há no entanto um tipo de erro que faz o Gene da Língua existente em mim querer ser clonado em ovelha Dolly: o erro daquilo que simplesmente não pode existir!
É, por exemplo, estatisticamente mais provável um casal de gays negros ter um filho caucasiano de olhos azuis que na Língua Portuguesa um cê de cedilha aparecer imediatamente antes de um «i» ou de um «e».
Quem escreve "voçê" deveria ser tratado por «pá» o resto da vida! (e isto inclui brasileiros)
Há coisas que simplesmente não podem ser... entendem? Trocar dois "ésses" pelo cê de cedilha pode acontecer; trocar o x pelo ch - pode acontecer; trocar um «o» pelo «u» - não deveria ser possível, mas acontece e omitir ou inventar acentos dá-se, por vezes inexplicavelmente, a toda a hora. Agora escrever "cê de cedilha" antes de um «e» - pura e simplesmente não pode ser: é tão disparatado como querermos, numa subida, fazer o carro com a marcha à ré engatada andar para a frente.
Enfim.... passo ao episódio que desencadeou este lado pessoano da minha pessoa: hoje entrei num estabelecimento comercial para comprar um franguito assado, o tal que nasce pinto. Eis que no momento de aquisição do bichinho assado deparo-me, estupefacta, com o letreiro colado na parede, atrás do balcão, mesmo na linha do meu olhar: "AÇEITÃO-SE ENCOMENDAS".
Aceitão-se??? - Reli para ter a certeza do que lera.
Enquanto a senhora que me atendia, com seu por demais evidente sotaque ucraniano, tentava saber se eu queria ou não "pirri-pirri no frangô" eu pensava se matava ou não o patrão dela, um senhor simpático, despachado e barrigudo que, na outra ponta do balcão, atendia lesto a sua quota-parte de clientes esfomeados.
Como pode uma palavra tão pequena ser assassinada com dois erros tão crassos? A escrita da língua doeu-me nos olhos e a fome passou... Terá sido a senhora ucraniana a escrever? Esta teoria rapidamente cairia por terra, pois uma ucraniana que escrevesse "açeitão-se encomendas" não saberia continuar a frase com "de morcelas de Fornos de Algodres"! - Isto é uma daquelas coisas que só um português barrigudo, provavelmente de Fornos de Algodres, sabe o que é!!
E se ela tivesse escrito (suponhamos que tinha vindo directamente de Vinitsa, Ucrânia, para Fornos de Algodres, Portugal)? Seria o senhor, além de barrigudo, cego?
Cego ele era, só que de amores por ela, que eu bem vi os cruzados olhares que entre pernas de frango e gordura de batata frita os dois trocavam! Está visto que este casal só conseguirá ser ridículo nas encomendas que propõe, jamais nas cartas de amor que não escreverá...
A minha ovelha Dolly balyu com o ipsilon de Pessoa e eu saí, com um misto de "sejam felizes" e "que morram decepados pelo til do «a» e a cedilha do «cê»".
E estas coisas, mais graves que qualquer rato a mijar as nossas latas de refrigerante, a ASAE não vê!
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