Tem momentos que sou invadida por esta tristeza cinza que não consigo tranformar em palavras. E quem se permite sentimentos profundos sabe que a tristeza é como o amor: quanto mais forte, mais 'indizível'.
Mas não se julgue que esta é uma daquelas tristezas doentes, sem eira nem beira, que não sabe de onde vem nem para onde vai. Não! A minha tristeza é sempre definida, tem sempre uma causa, normalmente sendo o acumular de várias que, por sua vez, essas sim, são intraduzíveis em língua de gente. Se não como descrever o olhar do cão estropiado depois de uma luta em que sedentos loucos de sangue gritam e em seguida o abandonam com porrada por ter “perdido”? Como descrever a mente das duas irmãs que achavam normal ter relações com o pai, visto este violar ambas havia anos - desde o dia em que a mãe de ambas morreu - e elas não terem conhecido outra realidade desde os 5 e 6 anos respectivamente? Como descrever a mãe que mata o filho à fome? Como descrever as imagens que nestes momentos me povoam a humidade dos olhos doridos do esforço de se manterem secos?
Não, meus amigos (se é que algum amigo lê isto), esta minha tristeza não é aquela tristeza urbano-depressiva pós-moderna da qual quase todos parecem padecer nos dias de hoje. Essa passa com medicamentos, com terapias no psicólogo, com compras no Centro Comercial e, em última análise, com uma dose mortífera de comprimidos.
Eu não me quero matar, não gosto particularmente de andar às compras, tenho pavor de medicamentos e quanto a terapias pagas com hora marcada... bem... não comento.
Eu sei porque estou triste, mas não sei como explicar essa triseza. Nem quero. Não acredito, sinceramente, que a minha tristeza seja maior que a dos outros, cujas causas me parecem ridículas, como ridículo será para os outros o olhar do meu cão e da Rita, aquela menina angolana que no dia de Natal de há uns anos eu vi na televisão por entre os destroços de um bombardeamento efetuado na noite de Natal. A Rita procurava algo por entre as ruinas que tinham sido a sua casa. Seria a boneca de pano que ela procurava? Seria a mãe? Saberia a Rita que aquele era o dia do Amor Universal? Que Cristo tinha nascido?
Não sei... não me lembro. Hoje, passados anos, só me recordo do nome dela... e do olhar. Meu Deus... aquele olhar, como o do cão que vi hoje na fotografia... confuso... que só se sabia vivo porque me olhava... e nada mais.
Os meus colegas de trabalho estão lá dentro, no refeitório, a jantar. Eu não tenho fome. Tal como não tive mais fome nesse Natal. Eu nunca tenho fome quando fico triste.
E que direito tenho eu em estar triste quando a Rita continua a revolver os escombros nos meus pesadelos e o cão já morreu e ainda não sabe? Que problemas tenho eu no universo das Ritas e dos cães? Que não encontro o amor? Que não terei trabalho depois de Dezembro? Que não me realizo profissionalmente? Porque amei e não fui amada? Ora... Que ridícula és, Dina, como ridículas são as cartas de amor que não recebes... nem escreves.
Vai embora, Tristeza, tal como o bicho-papão da minha infância ia embora quando a minha mãe me embalava.